quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Tornar-se adulto

Eu tive uma infância meio solitária, e uma adolescência conturbada. Logo comecei a trabalhar e também estudando, saía pouco.
Cheguei num ponto onde tinha meu emprego certo, meu namorado-noivo, minha vida mais ou menos já direcionada, eu olhava pro horizonte e conseguia ver quase nitidamente meu futuro.

Foi quando tive o problema do HTLV. Você não deve saber, o HTLV é um vírus primo do HIV, mas o da Aids ataca o sistema imunológico, e o HTLV ataca o sistema hematológico - de produção de sangue. Como o HIV, pode estar no seu corpo por anos sem nunca te causar nada, e pode de repente te fazer parar de produzir hemácias, e em três meses a anemia/leucemia te mata. Eu doava sangue sempre na Santa Casa, a pedido doei uma vez no Hemocentro. Não quiseram me entregar os exames, e me encaminharam para o HDT (Hospital de Doenças Tropicais de Goiânia, onde meses antes um amigo meu tinha morrido de Aids) para exames mais detalhados. A infectologista me explicou que o exame que fizeram no hemocentro não era preciso o suficiente para detectar o vírus, então ao menor sinal da presença dele meu sangue foi dispensado e eu precisava fazer um exame mais específico, o Western Bolt, o mesmo que detecta o HIV. Mas que leva uns 40 dias pra ficar pronto.

Consegue imaginar quanta coisa passou pela minha cabeça nestes 40 dias? É claro que a gente sabe que vai morrer, e que só pouco provavelmente vai envelhecer, mas dar de cara com esta possibilidade é chocante. Eu pensava se teria o tal do vírus, me via doente e sofrendo, via minha família sofrendo e todos os meus planos e construções se desfazendo como areia no vento.

O resultado saiu e eu não tinha nada, o que o Hemocentro encontrou no meu sangue foi só uma proteína disforme, que depois desapareceu. Fiz o exame mais uma vez e novamente deu negativo. Ainda doo sangue sempre, não tenho nada, e nunca tive.

Mas jamais vou dizer que aqueles 40 dias foram sofridos de graça. Eu pensei tudo que se pode pensar quando se tem 21 anos, e tudo que eu aprendi mudou demais a forma como eu levava a vida. O HTLV é apenas um dos milhares de vírus que podem te atacar, tudo é instável demais, morrer é só uma mudança de estado, e tudo pode mudar de estado a qualquer momento. Aprendi a não me apegar àquilo que não estivesse mesmo em mim.

Terminei o noivado, mudei de cidade e de faculdade, me licenciei do trabalho. Nos dois anos que fiquei na UnB eu fui em tudo que foi festa, fiz Canto Coral, Prática Desportiva, Grupo de Extensão, almocei em RU, dormi num container de entulho, fiz protesto sem roupa, morei em um convento, morei em um buraco, namorei, briguei, fiz sexo dentro do ICC (de dia, no intervalo da aula das 10h), joguei bola e andei de bike mais que criança. Conheci gente de todo tipo. Fiz grandes amigos. Voltei pra Goiânia e fui recuperar outros grandes antigos amigos - ainda estou fazendo isto.

Mas não sou mais nenhuma adolescente e a responsabilidade me chama. Semana passada meu chefe me puxou a orelha de que eu preciso me dedicar um pouco mais, e decidi que vou levar a sério minha vida profissional, minha carreira.

Comecei a chegar mais cedo, estudar os normativos da empresa, fazer os cursos específicos, ler os manuais dos sistemas. Para aprender todos os serviços, fico até mais tarde com colegas que me ensinam. Tudo tem um custo, e precisei substituir algumas atividades, remanejar meu tempo, eu cortei as visitas frequentes ao msn e ao youtube. Por coerência, também não ligo mais a televisão. A faculdade me ocupa bastante, então não tenho mais aquelas horas que usava pra limpar a casa, preparar alguma comidinha, arrumar meu armário. Também deixei de correr no parque, inclusive as caminhadas com meu cachorro estão paradas por enquanto. Há a necessidade de que eu faça horas-extras, então estou aproveitando o momento para mostrar serviço, pra aprender mais. No intervalo do almoço eu fico lá no prédio mesmo, daí almoço com algum colega, conversamos geralmente sobre o trabalho e vou adiantando as coisas. Pra economizar dinheiro e tempo eu cancelei a manicure, eu corto as unhas em casa. E tive que parar de escrever no meu diário, as horas de sono estão me fazendo falta. Sei que parece um sacrifício, mas amadurecer exige estas coisas. E estas trocas todas fazem parte de uma escolha consciente de deixar a vida de moleque que eu tinha e tentar construir algo mais sério. Pequenas mudanças terão efeitos que, com o tempo, vão se acumulando, e sei que estou no caminho de me tornar uma pessoa exemplar: em algum tempo eu terei conseguido coisas significativas, e a longo prazo, algo ainda maior. Fazendo assim, não demoro a constuir algum patrimônio. Até o fim do ano com certeza eu terei uma gastrite ou uma úlcera, e em alguns anos um enfarto ou um derrame. Será meio frustrante morrer cedo, mas pelo menos terei uma bela herança para deixar para... Acho que não terei tempo para filhos, então vai ficar para... Bom, para o governo.


P.S.: Estou indo para o quinto dia sem lavar o cabelo, por que a hora que eu gastaria entre lavar e dar uma ajeitada com o secador, eu usei pra escrever este post.