quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Vaidade vicia!

Os cabelos são a moldura do rosto, a roupa do rosto.  Não existe menina feia com cabelo bonito: basta um supercabelo e qualquer supercanhão se sente superoutra. São a expressão mais absoluta da vaidade feminina. Por isso cortei os meus.

Já dizia o tio Karl: não basta ser bom, é preciso ser o melhor: só o lucro máximo interessa, qualquer ganho  abaixo disto implica ser vencido (engolido, atropelado, desintegrado, como queiram – o alemão é tão versátil!) pelo concorrente mais forte. E disse mais: as relações de produção modelam (embasam, condicionam, infraestruturam, blaergh) outras relações sociais. A + B = nossas relações interpessoais refletem a concorrência capitalista. Mas devia?

Graças e louvores se dêem à ambição e a vontade de crescer que nos move, nos faz competitivos, nos põe em combate, nos faz evoluir. Buscar crescer é essencial, querer ser o melhor é natural, conseguir é um milagre. Os níveis de comparação se globalizaram e os campos de batalha são infinitos. O homem mais rico do mundo não conseguiu ser o mais bonito do mundo (talvez do metro quadrado), a mulher mais famosa não é a mais inteligente, o mais popular não consegue unanimidade. E cada qual sem se contentar em ser melhor, ser o melhor é o que vale. Estamos nos matando por um artigo.

Fechando o zoom e tornando à vaidade feminina, como poderemos, mulheres normais, ocupadas, trabalhadoras, estudantes, namoradas, seres humanos em autoconstrução, comparar nossas carreiras à da Taís Araújo (Chica da Silva aos 17), nossos saldos bancários aos da Madonna, nossas letrinhas às de Fernanda Young, nossos maridos ao da Angelina Jolie, nossas cútis à da Halle Berry, nossas nádegas às de Beyoncé, nossos cabelos aos da Gisele Bündchen?

Mas - me corrijam mulheres - com tudo se contenta, exceto cabelos. É que a carreira é a construção de toda uma vida, saldo bancário também (e dinheiro afinal não é tudo), inteligência não se compra, Brad Pitt só tem um, manter pele e bumbum é trabalhoso e caro. Os cabelos são o que menos tempo/dinheiro nos toma, então converge pras madeixas nossos anseios de vaidade. O problema é que jogamos aí todas as expectativas de sucesso (para compensar o salário, o marido, etc) e exigimos de nossa imagem muito mais do que é possível, então o limite dessa busca - que já era distante por causa dos comparativos globalizados - tende ao infinito. Mas nosso tempo é limitado. Não encaixa!

Se o cabelo está normal, começa a se sentir medíocre. Se o cabelo fica melhor, você se satisfaz temporariamente, mas os elogios (a droga do reconhecimento) dão uma espécie de prazer narcisista viciante: o dia em que não vierem, estoura a crise de abstinência e baixa autoestima. Quando não dá mais para melhorar os cabelos, partimos para as plásticas.

O submundo da vaidade é bastante mais perigoso que o das drogas químicas, porque é mais sutil e conta com o aplauso geral. É admirável que alguém não dependa mais de crack. É estranho que alguém não goste de se sentir bonito, atraente, desejável. Aceitação social é uma droga como qualquer outra, se manifesta pela vaidade e se reproduz no inchaço do ego.

Estou em busca do nirvana, então começo a decepar minhas vaidades das mais vis para as mais aceitáveis. Não é uma escolha aleatória, é mais fácil assim. Confesso que não sou um exemplo de disciplina, então tratamentos de choque funcionam comigo. Nada foi tão eficiente para recuperar a autoestima quanto me sentir pelada. Pular na água e começar a afogar-se para sentir que de fato sabe nadar, entende? Jogar tanto cabelo (e que tanto trabalho me deu) na lixeira do banheiro foi libertador.

Meus cabelos curtíssimos não podem mais esconder espinhas na testa, nem esconder meu rosto, nem esconder minha expressão, nem me esconder. Não tenho mais a infalível arma de me-guste de que minhas colegas da faculdade tanto se servem. Agora é para mim muito mais difícil conseguir boa primeira impressão automática, então o custo-benefício me leva a desistir disso. Eu desisti disso, e é ótimo! Eu não preciso de cabelo para me sentir bonita, pois não preciso me sentir bonita para me sentir aceita, porque não preciso me sentir aceita sentir que minha imagem é aceitável para estar bem. Imagem não é nada, interior é tudo. Nenhum jeito melhor para viver isto do que anular a minha imagem.

Aprendi a admirar mulheres que deixam os cabelos independentes. Existe bem maior chance de elas terem algo além deles na cabeça.

Simbólico, dramático e exagerado. Me identifiquei, só isso.

Um comentário:

  1. a questão do discurso feminino com relação à aparencia é uma coisa que realmente desperta meu fascínio viu.. o nível de objetificação do feminino...

    sobre sua jornada rumo ao nirvana.. sinto lhe informar, mas você não vai conseguir, é melhor aprender a lidar com isso viu...

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Comentaí, meu.